Pintor, curador e restaurador mineiro, mas radicado em Niterói e integrante do Núcleo de Restauração de Bens Históricos e Culturais de Niterói, o paisagista Milton Eulálio se inspira nas paisagens urbanas para pintar seus quadros.

Natural de Diamantina, MG, Milton Eulalio Perpétuo nasceu em 1955, vindo ainda criança para Niterói. Aluno do Salesiano morava na Avenida Feliciano Sodré, em frente à Escola Fluminense de Belas Artes. Foi ali, em 1971, que começou a estudar e ensaiar suas primeiras pinceladas. Em 1976 estuda Museologia no Museu Histórico Nacional e trava contato com o Grupo Niterói de pinturas ao Ar Livre, nos estaleiros da Ilha da Conceição. Em 1978 ingressa na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, quando começa então a definir seu estilo, fortemente marcado pela proximidade com a Baía de Guanabara.

O artista conta que seu primeiro contato com o chamado Grupo Niterói - formado por Roberto Paragó, Aluísio Valle e Jayme Cavalcante, entre outros, foi através de uma coluna de arte, assinada por Paragó, em 1977, num semanário de Niterói. O texto convidava artistas locais para encontros na Ilha da Conceição, aos sábados.

"Este grupo foi importantíssimo para a minha formação e para a pintura naturalista" - afirma Eulálio. "A partir daí, parti para a profissionalização, encantado com a possibilidade de não apenas pintar do natural, mas principalmente transformá-lo, a partir da minha visão interior. Um barco encalhado, carcomido pela ferrugem, por exemplo, assume na tela uma visão bela, lírica, que é a leitura de momento real, concreto, aliado com a visão interna de cada artista".

Carreira

Com Irene Carvalho expõe em 1978, na Galeria de Arte da Secretaria Municipal de Turismo de Niterói, imagens paisagísticas e sacras em óleo sobre tela, além de fachadas de monumentos coloniais.

Em um período vivendo em Cabo Frio, expõe no Salão Universitário de Petrópolis, na Galeria de Arte da Secretaria Municipal de Turismo do Rio de Janeiro, no Salão de Pintura do Rio de Janeiro e na Galeria Sectur de Cabo Frio. Também mostra trabalhos na Galeria da Associação Médica Fluminense de Niterói.

De volta a Niterói, participa em 1982 de uma mostra coletiva intitulada "Caminho da Pintura", no Museu Antônio Parreiras. Os trabalhos retratam os diversos recantos e paisagens do Museu. No mesmo ano, inicia sua carreira como restaurador.

Em 1983 integra a mostra coletiva de inauguração da Galeria Daltro, em Niterói. Em 1984 da coletiva "Pintando do Natural", no Centro Cultural Paschoal Carlos Magno - CCPCM -, com Aluizio Valle, Celmo Rodrigues, Jayme Cavalcante, Roberto Paragó e Stélio Teixeira. No ano seguinte volta ao CCPCM na mostra '2 Artistas', quando divide a galeria com o escultor Christiano Ariel Teixeira. Em 1985 é convidado por Rosa Maria Chalhub para ser o responsável pela programação visual e coordenação do CCPCM. Em 1986 expõe 37 óleos na Galerie Toulouse, na Lagoa, Rio de Janeiro.




Caminhos como artista

Niteroiense "por adoção afetiva", Eulálio define sua obra como influenciada pela escola Realista, sofrendo influência direta da arte brasileira do grupo Bernardelli. Sua pintura mostra uma nítida preocupação com o social, o que fica revelado pelos locais escolhidos. São cortes dos subúrbios das grandes cidades, lugares esquecidos pelos habitantes comuns, estaleiros e recantos, onde a beleza existente não é vista por olhares banais; assim como não é a solidão dramática por eles representada.

"Pinto o que vejo, o que sinto, mas essencialmente o que amo", define-se enquanto artista. Para ele, os quadros têm sentido quando são fruto de uma relação afetiva do autor com a proposta/tema. "Sou um paisagista, embora também tenha trabalhos em outras áreas. Mas venho de uma escola de pintores de grande tradição paisagística que se instalaram na cidade. O principal deles, mestre de todos nós, Aluizio Valle", diz ele. Com Valle, Eulálio apendeu, ao longo de muitas tardes de sábado passadas à beira da Baía de Guanabara, a retratar a beleza rústica dos estaleiros e a solidão do mar.

O restaurador

Como restaurador, Eulálio passa a ter contato permanente com trabalhos de artistas consagrados - verdadeiros mitos cujo convívio o transformou, pouco a pouco. "Senti um grande bloqueio quando tive que retocar um Antonio Parreiras. Nunca, até então, eu trabalhara na obra de um mito", conta. "Era como se eu estivesse violando um sacrário. Com o tempo, consegui aprender muito como pintor ao observar as técnicas de pinceladas de grandes artistas em cujos quadros trabalhei", diz Eulálio.

Viver em contato permanente com obras de artistas famosos faz com que o artista sinta-se "como que dialogando com eles, ao completar através de um retoque uma sequência interrompida". Ele afirma que isto cria uma intimidade que, "antes de diminuir o misticismo, faz com que eu me sinta vivendo um momento em outra dimensão, transportando-me para o tempo e a técnica dos meus mitos, ainda mais fortes".

Um de seus mais valiosos trabalhos no Núcleo de Restauração de Bens Históricos e Culturais de Niterói foi o restauro de "Guerra e paz", obra de Cândido Portinari, tarefa que realizou em parceria com Cláudio Valério Teixeira e Celso Belém.

A gigantesca obra composta por dois painéis de 14 metros de largura e dez de altura teve de viajar da sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, até o Palácio Capanema, no Centro do Rio, para ser restaurada. Antes de voltar aos EUA, ficou exposta na galeria Grand Palais, em Paris.

Apesar de reconhecer a importância de sua atuação como restaurador, Eulálio afirma que sua maior realização está na produção de obras próprias. Nelas, a geografia da cidade está entranhada em sua relação com a pintura, algo que manifesta ao retratar a casa onde passou a infância e a adolescência ou a reproduzir aspectos da natureza do município.

Em 1990 inaugura uma mostra individual na galeria Michelangelo, em Icaraí. No mesmo ano, o Espaço Cultural do Tribunal de Alçada Criminal, no Centro do Rio de Janeiro, participa da retrospectiva de pinturas "Niterói: uma Vocação Artística". A mostra reúne obras de Eulálio, Aluizio Valle, Roberto Paragó, Jayme Cavalcante, Cláudio Valério Teixeira, Celmo Rodrigues e Célio Belém.

Ainda em 1990, a famosa Pedra de Itapuca, em Niterói, que já inspirou inúmeros artistas do passado, é o tema de uma exposição coletiva organizada pela Galeria Gargobre, em Icaraí. Participam da mostra, além de Eulálio, Albano, Aluízio Gavazzoni, Célio Belém, Hilda Campofiorito, Henrique Bonifacio, Jayme Cavalcante, Luiz Carlos de Carvalho, Roberto Paragó, Quirino Campofiorito e Tolentino, todos nascidos ou radicados em Niterói.

Depois de passar dois anos nos EUA, em 1996 expõe no Museu Antônio Parreiras, 25 quadros em óleo sobre tela com paisagens de Nova York e Niterói. No mesmo ano, expõe pinturas no CCPCM.

Toda a beleza da Lagoa de Piratininga vista do Jardim Imbuí foi inspiração para a mostra coletiva "Lagoa Viva", que Eulálio leva, em 1998, para o Espaço Cultural Aluizio Valle, na Câmara Municipal de Niterói. Inspirados na Escola Grimm de pintura ao Ar Livre, 22 artistas reuniram-se por vários fins de semana a fim de registrar a deslumbrante paisagem. Novamente tendo o paisagista Georg Grimm como motivação, em 1999 participa da mostra coletiva "Livre Olhar .. Sobre a Paisagem", no Museu Antônio Parreiras.

Na exposição "Niterói Arte Hoje", no Museu de Arte Contemporânea, em 2002, fez a curadoria do segmento 'Persistência da Paisagem', com os artistas Gelson Luiz e Rafael Vicente. No mesmo ano, volta ao CCPCM com "Giverny", mostra que traz 20 telas feitas em óleo, acrílico e pastel. A exposição é resultado de uma viagem do artista à Europa, no ano anterior, quando esteve na casa-ateliê de Claude Monet em Giverny, uma localidade em Vernon, próximo a Paris.

Leia também: Telas de Milton Eulálio inspiradas em Monet, em exposição no CCPCM

Novamente no Museu António Parreiras participa, em 2004, da mostra coletiva "Grandes Formatos", que reúne trabalhos de 12 artistas que nasceram ou viveram em Niterói, como Cláudio Valério Teixeira, Jayme Cavalcante, entre outros.

Em 2011, no Museu Nacional de Belas Artes, participa da exposição "Guilda de São Francisco", uma coletiva com os parceiros de restauração Claudio Valério Teixeira e Célio Belém. O trabalho realizado pelos artistas é uma homenagem às obras do século XVII, mesclando o resgate de procedimentos técnicos já em desuso com as temáticas antigas em cenários contemporâneos.

Além de pintar e restaurar quadros, Eulálio sempre encontra tempo para compartilhar os segredos de seus pincéis com alunos do projeto Orquestra de Cordas da Grota, onde dá aulas para jovens moradores da comunidade da Grota do Surucucu, em São Francisco.


Depoimentos



"Este jovem artista responde pela categoria dos mais novos, que caminham na linha naturalista. Sua pintura permite ao observador uma conclusão prévia e exata da sua maturidade artística e inovadora, e da quem se propõe seguramente a um futuro muito promissor". (Neyde Noronha, 1986, O Fluminense)

"Conheço Eulálio desde os tempos de menino tímido no Salesiano. Timidez que continua, ou melhor, transformou-se com a maturidade em uma modéstia que acredito será indispensável ao sucesso futuro. O que me encanta nesse jovem é a sensibilidade para compor, aliada a uma execução sempre bem cuidada, demonstrando que o trabalho que exerce paralelamente no atelier de restauração de Cláudio Valério, lhe tem sido muito benéfico, inclusive, o colóquio íntimo com os maiores mestres, da pintura brasileira. Observando com cuidado o que tem feito até agora em termos artísticos, é possível destacar o caráter predominantemente paisagístico. Entretanto encanta pela segurança e apuro de execução. Geralmente são marinhas, paisagens simples, cenas urbanas que mostram comedimento. Não existem explosões coloristas, pinta simples, fácil, tênue, lembrando um 'ar de Castagneto', sem ser cópia, longe disso. Por enquanto Milton Eulálio se diz um aprendiz. Para mim, contudo, já o considero um pintor pronto". (Roberto Paragó, 1986).

"A sutileza contemplativa de Milton Eulálio exprime-se aí tanto na construção do espaço, no recorte dos planos e no jogo muitas vezes singular de massas e tonalidade, quanto na peculiaridade de certa aura reflexiva, muito dele, em que o tratamento da luz pode exasperar ou amortecer os elementos temáticos, numa quietude silenciosa meio hipnótica." (Alexandre Eulálio, 1990, escritor)

"Seus quadros trazem à luz uma serenidade insuspeitada e desconhecida naquelas zonas que o olhar medíocre teima em ver o marginal e nada enxerga de harmônico e valioso. Pois, ali mesmo no espaço urbano, onde os turistas e o cidadão comum somente detectam o feio, o poluído, o destruído, o quebrado, o podre e o perdido, Milton Eulálio recupera uma tranquila e incontestável beleza. E como se quisesse mostrar que o belo, como o bom, está em toda parte, até mesmo na feiura produzida pela nossa civilização". (Roberto da Mata, 1996)




Tags:






Publicado em 04/08/2023

Orígenes
Rafael Vicente
Antonio Parreiras (1860-1937) Leia mais ...
Emanuel Monjardim
Thereza Brunet
Pinto Bandeira (1863-1896) Leia mais ...
Cândida Boechat
Ítalo Campofiorito (1933-2020) Leia mais ...
Anna Letycia Quadros (1929-2018) Leia mais ...