Acompanhando os pais, Zé Katimba saiu clandestinamente ainda criança rumo ao Rio de Janeiro. Na então Capital Federal, sentiu na pele o preconceito contra nordestinos e a desigualdade social. Mas foi esse contexto que criou um compositor sensível e politizado, cuja obra é reverenciada pelo público e por seus pares, como Zeca Pagodinho, Monarco e Martinho da Vila, seu principal parceiro. Respeitado compositor de sambas de enredo, é considerado um dos criadores da versão moderna do gênero musical, alegórico, bem humorado, pontuado de imagens, em oposição aos antigos, mais narrativos, com muitas descrições.

Antes conhecido como Zé Catimba, José Inácio dos Santos nasceu na paraibana Guarabira, a 11 de novembro de 1932, filho único dos agricultores Josefa João Inácio e José Inácio dos Santos, este nas horas vagas violeiro (12 cordas), cantador e poeta de cordel.

O ano de 1942, foi decisivo na vida do Sr. José Inácio, cansado e não suportando mais as privações reuniu a pequena prole e decidiu tentar a sorte na cidade grande. Contrariando o destino, pegou carona em um caminhão carregado de vergalhão e partiu com Josefa e José rumo ao Rio de Janeiro, essa família de retirantes nordestinos após muitos dias de sofrimentos desembarcou finalmente no Largo da Batalha em Niterói começando daí para frente a saga da família Inácio no "Sul Maravilha".

Vivendo inicialmente no bairro carioca de Bonsucesso, em 1959, aos 16 anos, Katimba participou da fundação da Imperatriz Leopoldinense, e ainda hoje faz parte da ala de compositores da agremiação. No início, era puxador de corda, depois virou passista e chegou a mestre-sala. Em 1969, entrou para a ala dos compositores da escola.

Com Grande Otelo na Avenida. Família Imperatriz.
E suas histórias são muitas. Além de ter vivido em diversos bairros do Rio e em Niterói, Katimba chegou a ser preso pela Ditadura. "A gente organizava o movimento no Teatro Opinião, com as músicas de protesto. Era em pleno regime militar, acabei detido", mas se tivesse que fazer, faria tudo de novo, porque fiz por amor, e a gente não deve desistir nunca dos nossos sonhos", relembra.

Seu primeiro grande sucesso, em parceria com Niltinho Tristeza, foi "Barra de ouro, barra de rio, barra de saia", de 1971, samba-enredo que classificou a escola em 7º lugar do Grupo 1 no desfile daquele ano. Este samba é considerado uma inovação para a época e um marco a história do samba-enredo, tendo em vista o uso de apenas 18 linhas na letra, quando o mais usual são letras com mais de 30 linhas. Neste ano a Imperatriz Leopoldinense só não desceu para o Grupo de Acesso, na época, Grupo 2 por causa da inovação na letra da composição, que ganhou 10 de todos os jurados.

O sucesso de "Martim Cererê" fez com que, em 1972, Katimba virasse personagem da novela "Bandeira 2", da Rede Globo, escrita por Dias Gomes, com Grande Otelo no papel do sambista. Além de "Martim Cererê" (com Gibi), tema de abertura, outras duas músicas de sua autoria fizeram parte da trilha sonora, que vendeu 700 mil cópias.

Em 1976, lançou com produção de Adelzon Alves o LP "Meu Drama", no qual, além de "Martim Cererê" e "Barra de Ouro, Barra de Rio, Barra de Saia", gravou de sua autoria: "Viola de Fita" (homenagem ao pai), "Cansado De Tanto Sofrer" (com Zé Carlos10); Vai Descansar Violão (com Jorge Luiz), "Meu Drama" (com Joaquim Ilarindo) e "Não Há Carinho Sem Ter Fim" (com Adilson Madrugada).

Entre as várias parcerias com Martinho da Vila, está o samba "Recriando a criação", que concorreu no "Festival dos Festivais", da Rede Globo, em 1986. No ano posterior, em 1987, o grupo Exporta Samba gravou no LP "Valeu a experiência" suas composições "Deixa o coração mandar" (com Ratinho) e "É preciso amar", em parceria com João Marques. O cantor Júlio Iglesias, no ano de 1992, gravou "Me ama mô", uma de suas parcerias mais famosas com Martinho. A parceria rendeu outros sucessos, como "Me faz um dengo", "Tá delícia ta gostoso", "Me beija me beija", "Bandeira da fé".

Ainda em 1992, Katimba lançou, pelo selo institucional Niterói Discos, o LP "Mais Que Feliz". Esse projeto contou com a produção e arranjos de Alceu Maia e reuniu importantes músicos do samba como Cláudio Jorge (violão), Gordinho (surdo, tamborim e tam-tam), Paulinho da Aba (pandeiro), Jorge Simas (violão 7 cordas), Paulinho Brek (bateria), Darcy de Paula (teclados), Celsinho Silva (agogô, ganzá e recoceco), Ivan Machado (baixo), além de Cláudia Teles, Martinália e Analimar num afinado coro. O LP, que remete o ouvinte a uma reunião de pagode espontânea, apresenta belos sambas e se destaca pela harmonia impecável.

Escrita pelo jornalista Fernando Paulino, em 2009 foi lançada sua biografia "Zé Catimba - que grande destino reservaram pra você!". O livro foi lançado no bar Estrela da Lapa, no centro do Rio de Janeiro, com uma roda de samba comandada pelo filho do compositor Inácio Rios. Neste mesmo ano foi homenageado com a "Medalha de Mérito Pedro Ernesto", sendo esta uma honraria concebida pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro àqueles personagens que se destacam na sociedade brasileira.

Novamente em parceria com Martinho da Vila, compôs "Na Minha Veia' que deu nome ao CD "Na Veia", da cantora Simone, lançado 2009. "Na Minha Veia" foi gravada também pelo Martinho da Vila no seu CD e DVD "Lambendo a Cria". Compôs também em parceria com o Martinho da Vila uma música em homenagem a Dona Ivone Lara, que teve como título "Lara". Este samba foi gravado pelo próprio Zé Katimba, Martinho da Vila e Martinália.

No ano seguinte, em 2010, ao lado de Dauro do Salgueiro, Jonas da Vila, Walter Peçanha e David do Pandeiro, participou da coletânea "Eterno guardiões", com direção musical de Paulão Sete Cordas.

No Carnaval de 2013, Katimba foi eleito "Cidadão Samba do Rio", numa votação pela internet da qual participaram mais de 30 mil pessoas. Durante o desfile das escolas de samba do grupo especial do Rio, Katimba foi eleito Personalidade do Ano, pelo júri do prêmio Estandarte de Ouro, organizado pelo jornal O Globo.

Ainda em 2013, a convite da Prefeitura de sua cidade natal, Katimba retornou a Guarabira após 70 anos. Foi homenageado pela Câmara Municipal com a medalha honorífica "Osmar de Araújo Aquino" pela sua magnífica e exemplar trajetória. Em 20 de novembro de 2014, dia que se celebra o Dia da Consciência Negra, foi homenageado no Quilombo dos Palmares com a Medalha Zumbi dos Palmares, aprovada pela Câmara Municipal de Niterói.

Em 2015 a Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense desfilou com o samba-enredo “Axé, Nkenda! Um ritual de liberdade – e que a voz da igualdade seja sempre a nossa voz”, composto em parceria com Adriano Ganso, Aldir Senna, Jorge do Finge e Marquinho Lessa. O samba venceu o prêmio Estandarte de Ouro, organizado pelo jornal O Globo.

Em março do mesmo ano, lançou, novamente pela Niterói Discos, o CD intitulado "Minha Raiz, Minha História", com as participações especiais de Martinho da Vila, Zeca Pagodinho, Diogo Nogueira e Monica Mac. O disco, que tem produção assinada por Alceu Maia e Fernando Brandão e contou com as participações de Zeca Pagodinho, Martinho da Vila, Diogo Nogueira e Mônica Mac, traz composições de Katimba em parceria com Geraldo do Norte, Martinho da Vila Alceu maia, Roque Ferreira e João Nogueira.

A parceria de Zé Katimba, Adriano Ganso, Jorge do Finge, Moisés Santiago e Aldir Senna, venceu a disputa de samba de enredo, que a Imperatriz levou para a Sapucaí no carnaval de 2016, com o enredo "É o amor que mexe com a minha cabeça e me deixa assim - Do sonho de um caipira nascem os filhos do brasil".

Com mais de 800 músicas gravadas e muitas em parcerias, suas canções foram gravadas por nomes como Alcione, Elza Soares, Alcione, Jair Rodrigues, Zeca Pagodinho, Jurema, Leci Brandão, Simone, Agepê, Luiz Carlos da Vila, Júlio Iglesias, Martinho da Vila, Emílio Santiago, Elymar Santos, Demônios da Garoa, João Nogueira, Agepê, além do próprio compositor.

Como compositor de samba-enredo venceu por 15 vezes a disputa na sua Escola do coração, com os quais a escola desfilou na avenida. Ente os que fizeram grande sucesso nos carnavais, destacam-se, ainda, "O teu cabelo não nega - Só dá lalá", de 1981, uma homenagem a Lamartine Babo (1º lugar do grupo 1A), e "Terra Brasilis", de 1990, que classificou a Imperatriz em 4º lugar do Grupo Especial no desfile daquele ano. Em 2019, Katimba se tornou diretor da Escola e recebeu o título de "Doutor Honoris Causa" da Universidade Federal da Paraíba.




Bem-humorado, o artista relembra dos tempos difíceis com leveza. "Era uma época muito dura quando cheguei aqui. E tudo que não prestava era coisa de 'paraíba'. No meio desse furdunço todo de preconceito, tive que sobreviver. Eu fui um dos fundadores da Imperatriz, mas quem empurrava alegoria e metia mão em cola quente? Mas aprendi tudo, desde trabalhar o couro até tocar. Fui passista, mestre-sala, vice-presidente, presidente, puxei corda... Venci, fiz tudo por amor. E só o amor dá nobreza", afirmou. "Graças a Deus, insisti. As escolas fazem a maior festa do universo, são nossos patrimônios culturais. E a música é única, pode ser pop, rock, o que for. A cultura popular tem uma sabedoria muito profunda".

Ainda em plena atividade poética, Katimba diz que pretendo se aposentar aos 100 anos e viver de sambas de amor. "Eu quero me formar em aprendiz, quero aprender todos os dias. A essência da vida é essa, aprender e amar." Vivendo em Niterói desde meados dos anos 1970, atualmente ao lado do filho Inácio Rios também sambista, frequenta diariamente as animadas rodas de samba na cidade onde divide sua alegria com os amigos.


Discografia:

Matrim Cererê - Compacto simples (1972);
Meu Drama (1976);
Mais que Feliz (1992)
Minha Raiz, Minha História (2015)


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Publicado em 22/08/2022

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