A história do Teatro Popular de Niterói se confunde inevitavelmente com a do Caminho Niemeyer, complexo de obras arquitetônicas projetado por Oscar Niemeyer, do qual o Teatro faz parte. E esta história começa ainda em 1997, um ano após a inauguração do Museu de Arte Contemporânea, obra que ajudou a projetar Niterói internacionalmente. O sucesso do MAC selou a parceria do arquiteto com a cidade.

Em março daquele ano, pela primeira vez, o Caminho Niemeyer foi citado na imprensa, na coluna da jornalista Danuza Leão, no Jornal do Brasil. Dizia a nota:

Trajetão - Com dinheiro para poucas obras, o prefeito de Niterói, Jorge Roberto Silveira, ganhou um presente de Oscar Niemeyer. O arquiteto vai projetar, de graça, um caminho, digamos assim, estre a Estação das Barcas e o Museu de Arte Contemporânea - que com certeza ficará lin-do, é claro.

Em outubro, a Câmara dos Vereadores aprovou a lei de criação do Caminho, uma área de especial interesse turístico, que ocuparia 3,5 km da orla nos bairros da Boa Viagem e Centro, do MAC até a Praça Arariboia. A faixa litorânea receberia o segundo maior conjunto de obras do arquiteto carioca, perdendo apenas para Brasília. Já naquele momento, o complexo passou a ser anunciado como peça central no processo de revitalização do Centro, alavancando ainda mais o turismo na cidade.

A prefeitura anunciou uma importante mudança no projeto em novembro de 1998. As intervenções seriam as mesmas, só mudariam de lugar, ocupando a área da antiga e subutilizada Vila Olímpica, no antigo Aterro da Praia Grande. A dificuldade em desapropriar terrenos particulares obrigou a prefeitura a desistir do corredor cultural inicialmente sonhado. O fato de que com essa mudança, o projeto deixava de corresponder à ideia de "caminho", não alterou o entusiasmo dos responsáveis pelo empreendimento. "A cidade vai entrar no rol dos importantes centros arquitetônicos mundiais, como Brasília e Nova Iorque", dizia com uma boa dose de ufanismo, o prefeito Jorge Roberto Silveira. Mas a fala não deixava de demonstrar toda a sua determinação.


Croqui original do Caminho Niemeyer


Contratempos

O fato é que o Caminho Niemeyer não era unanimidade na cidade. A Liga Niteroiense de Desportos, que utilizava a Vila para suas atividades, reivindicava um espaço destinado ao esporte no projeto. Segundo o presidente da Liga, José Tito Jacomini, no local eram realizados mais de 1.200 eventos esportivos por ano, integrando centenas de atletas de toda a Região Metropolitana. Um abaixo assinado chegou a ser feito, contando com a assinatura de nomes de peso do esporte na cidade, como Zizinho, Jair Marinho e Altair. "Não sou contra o prefeito utilizar a área, gostaria apenas que o prefeito deixasse um espaço reservado para a que a Vila continuasse funcionando e que a população carente não ficasse sem lugar para disputar suas peladas no fim de semana", disse o dirigente.

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Alguns vereadores e boa parte da população acreditavam que os recursos empregados na obra, cerca de R$ 12 milhões, segundo estimativas da época, deveriam ser aplicados em projetos mais importantes, numa cidade tão carente de serviços essenciais. Para muitos, a cidade não deveria também se transformar em uma espécie de "Quintal do Niemeyer".

Mas o projeto seguia seu curso e em julho de 1999, o arquiteto enfim apresentava a maquete do denominado "Caminho Niemeyer", que seria construído pelo próprio arquiteto, incluindo a remodelação da estação das Barcas, que a ele havia sido encomendada pelo consórcio Barcas SA. Haveria ainda uma Catedral, um restaurante, um Centro de convenções, uma área de esportes, o Centro de Memórias Roberto Silveira, a sede da Fundação Niemeyer e, finalmente, um teatro, um teatro popular, como ele sempre reforçava.

Originalmente, o complexo era composto por 13 monumentos, sendo cinco torres residenciais, com 20 andares cada. As vendas dos apartamentos e das lojas da futura estação das Barcas serviriam para financiar as demais construções. Esse foi o modelo adotado quase 60 anos antes na abertura da Avenida Amaral Peixoto.


Maquete da 1ª versão. Torres empresariais e a 1ª versão da catedral católica.
Maquete da 2ª versão sem as torres e com as catedrais católica e batista.
Projeto da 3ª versão com a torre panorâmica.


No primeiro mês do ano 2000, a prefeitura lançou enfim o edital para a venda dos terrenos onde seriam construídos os cinco edifícios, agora já comerciais, mas ele não foi bem recebido pela indústria imobiliária. Para os empresários do setor, o custo era inviável, já que a cidade não tinha mais demanda para absorver cinco edifícios de 20 andares, que seriam construídos e comercializados pelas empresas vencedoras: "Niterói está abarrotada de Centros Comerciais, serão necessários muitos anos para termos o retorno esperado", afirmou um dirigente empresarial.

Diante do impasse, a prefeitura de Niterói negociou em junho do mesmo ano com o governo do Estado o financiamento de R$ 7,5 mi para a obra. Com este aporte, a prefeitura pretendia começar a obra e assim ajudar na atração dos empresários. Assim, em 2001, foi implantado o Grupo Executivo do Caminho Niemeyer, com a responsabilidade de buscar parcerias com a iniciativa privada e com o governo federal para a realização de novas obras. Só que o dinheiro do governo estadual nunca chegou.

Em julho, em reunião que contou com a presença do arquiteto, a prefeitura anunciou uma nova mudança no projeto. Diante do fracasso dos editais de venda dos terrenos e com o objetivo de agilizar a liberação da licença ambiental, foram excluídas as cinco torres de 20 andares do projeto. No entanto, a decisão tornava ainda mais desafiador o financiamento do empreendimento.

Na ocasião, o prefeito Jorge Roberto Silveira anunciou também o aporte de R$ 3 milhões dos cofres municipais, mas ainda dependia da liberação de uma licença da Fundação Estadual de Engenharia do Meio ambiente (FEEMA) para inícios das obras. De acordo com o coordenador do projeto, Selmo Treiger, os recursos da prefeitura iriam possibilitar a conclusão do primeiro edifício do complexo, justamente o Teatro Popular. Segundo Treiger, o investimento seria devolvido gradualmente aos cofres públicos à medida em que o projeto recebesse recursos de outras instituições.

A notícia animou o arquiteto: "Estou muito feliz com o entusiasmo das pessoas que estão trabalhando nesse projeto", disse Niemeyer.

Ainda em 2001, foi concluída a primeira obra, a Praça JK, no trecho entre os bairros do Centro e São Domingos. Em dezembro, finalmente a FEEMA anunciou a conclusão do laudo técnico aprovando o Relatório de Impacto Ambiental do projeto, autorizando o inícios das obras.


O Memorial em fase de concretagem. Foto de Roberto Moreira - O Flu


Já no início de janeiro de 2002, 100 operários trabalhavam no espaço e no final de fevereiro, com algumas licitações já concluídas, as obras estavam a pleno vapor. A cúpula do Centro de Memória já estava sendo concretada e as fôrmas do teto e da rampa de acesso ao Teatro Popular, em fase de acabamento. No fim de abril, as estruturas de concreto dos dois espaços foram entregues.

"O teatro terá capacidade para 700 pessoas na plateia e poderá abrigar tanto espetáculos de pequeno porte quanto grandes shows. O fundo do palco poderá ser aberto, permitindo a visão dos dois lados, aumentando assim a capacidade de público para até 20 mil pessoas. O acabamento será simples, despojado de luxo e em harmonia com outros edifícios. Essa harmonia é importante para que o complexo transmita a ideia de conjunto", ressaltou Niemeyer em visita que fez ao canteiro de obras, em setembro daquele ano.

Visita técnica do arquiteto em setembro de 2002. Foto de Roberto Moreira - O Flu
Em dezembro, os engenheiros entregaram a concretagem das duas lajes que compõem a parte superior do prédio do teatro. Em seguida terminaram a fase de pré-tensão da rampa, que é o processo que daria a firmeza necessária à estrutura. Como em muitas obras de Niemeyer, a rampa helicoidal já era uma atração turística.

Em fevereiro de 2003, o arquiteto realizou uma nova vistoria e se mostrou bastante satisfeito com o andamento das obras. Na ocasião, escolheu, entre duas, a tela pintada pelo restaurador Claudio Valério que ilustraria o Centro de Memórias. A tela, de 10,7 metros, retrata o ex-governador Roberto Silveira sendo recebido pelo operariado do interior fluminense.

Niemeyer escolhendo o Painel para o Memorial - Foto de Roberto Moreira - O Flu
No mês seguinte toda a estrutura do teatro já havia sido concretada, só faltando a conclusão da escada de acesso interno e a colocação da arquibancada com capacidade para 700 lugares. Ainda neste mês, a prefeitura anunciou a inclusão de um novo equipamento ao projeto, um centro de convenções na Concha Acústica, que iria sediar ainda um arena multiuso e um espaço para feiras. Novos desafios para um já ambicioso projeto.

Ajuda federal

Em visita às obras em junho de 2003, o então ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, se comprometeu a buscar recursos junto ao governo federal para as obras do Caminho Niemeyer. O ministro se mostrou entusiasmado com os projetos na área de turismo do município. Segundo Mares Guia, "o Caminho Niemeyer é a união entre a inteligência e a genialidade do arquiteto. Será um dos maiores pontos turísticos do país", afirmou o ministro. "O compromisso em auxiliar na conclusão e o programa para arrumar a verba já está estabelecido, falta apenas colocar isso em Lei", completou.

Ministro Gilberto Gil no palco do Teatro ainda inacabado. Foto de Roberto Moreira - O Flu
Um ano depois, foi a vez do ministro da Cultura, Gilberto Gil, visitar a cidade, e o espaço estrategicamente escolhido para recebê-lo foi foi o inacabado o Teatro Popular. Gil veio a Niterói anunciar verbas para a restauração do Palácio Arariboia e da Capela de São Pedro do Maruí, no Barreto. Apesar de ser a sede da visita, o prédio ainda precisava passar por obras de acabamento para ser inaugurado. A verba necessária para finalizar os trabalhos era estimada em R$ 4,5 milhões. De acordo com o então diretor executivo do Caminho Niemyer, Roberto Figueiredo, as obras civis - que foram custeadas pela prefeitura - representavam 80% do projeto.

Painel da fachada principal

Em outubro de 2004, o painel cerâmico de autoria do arquiteto já enfeitava a fachada principal do teatro. "Ficou maravilhoso", afirmou Niemeyer ao ver, pela primeira vez. O trabalho foi concebido em duas partes e mede ao todo 385 metros quadrados. A composição artística revela o desenho de uma dançarina executando sua performance em três movimentos, feito à mão livre por Niemeyer e posteriormente reproduzido em tamanho gigante. "A dançarina não tem nome, mas quem quiser pode escolher um para ela", disse Niemeyer bem humorado. "O desenho da bailarina não tem nada de especial, mas quis que ela dançasse com o movimento das curvas arquitetônicas projetadas aqui", explicou. Segundo ele, a utilização de azulejos para compor painéis é uma técnica muito usada no Brasil desde os tempos coloniais e tem como fundamento, a união entre a arte e a arquitetura.


Niemeyer deixou em aberto um nome para a bailarina, que na arte executa três movimentos. Foto de Roberth Trindade - O Flu


Márcia Nogueira, coordenadora dos trabalhos de confecção do painel, disse que foi uma honra receber a incumbência de recriar a obra de arte criada pelo mestre. "Sabíamos que era um trabalho de grande responsabilidade e Niemeyer participou de todas as etapas. Para definição da cor, foram utilizados sete tons diferentes de amarelo até conseguirmos chegar ao que ele queria", disse a coordenadora.

Um dos maiores desafios foi reproduzir graficamente o desenho sem a intervenção da mão humana, uma de suas exigências. Para isso, foi feita a reprodução da arte em tamanho gigante em um programa especial de computador e, posteriormente, convertido na estampa gráfica que se vê nos azulejos. Com isso, as características do traço de Niemeyer não foram perdidas. É como se ele mesmo tivesse pintado sua grande obra", conclui Márcia.

O Foyer




Enquanto aguardava a verba federal, com as obras andando lentamente, o arquiteto entregou, em julho de 2005, o projeto gráfico de um outro painel, de 4 metros de altura por 40 de comprimento, que iria ilustrar o foyer superior do Teatro. Uma grande massa de pessoas estampa o quadro gigante que seria confeccionado também em azulejos. O acesso do público ao teatro se daria por meio da escada interna ou pela rampa, por onde se chega a este foyer de 580 m².

E por meio do Ministério do Turismo, o governo federal de fato realizou o aporte de R$ 5 milhões, quantia necessária para dar andamento ao projeto do Caminho Niemeyer e, desta forma, finalizar o Teatro Popular.

Em maio de 2006, os trabalhos estavam a todo o vapor. No esqueleto quase todo concluído - faltavam apenas a concretagem de um piso e um muro, já era possível vislumbrar alguns detalhes da construção, como os diversos ambientes internos e o palco. Entre os detalhes que dariam vida ao teatro, está uma parede de vidro duplo com 'brises' internos, que permite aos espectadores uma visão completa da Baía de Guanabara, incluindo a Ponte Rio-Niterói, o Cristo Redentor e o Pão de Açúcar. A armação metálica já estava pronta.


Obras estão adiantadas e operários trabalham nos acabamentos finais da construção. Foto de Ronaldo Brandão - O Flu


Tudo pronto para a inauguração?

O data da inauguração havia sido marcada para 22 de setembro de 2006, com um show de Martinho da Vila. Naquele momento, os operários trabalhavam nos últimos detalhes do tratamento acústico, na instalação elétrica e no grande ar-condicionado avaliado em R$ 700 mil, que seria abrigado no subsolo do teatro. Em breve, as cadeiras estariam no lugar. Sim, as cadeiras, que não estavam no projeto inicial e que acabaram por representar uma diminuição da lotação do teatro.

Ocorre que em 19 de setembro, faltando apenas 3 dias para a inauguração, uma vistoria feita por Oscar Niemeyer fez com que a data fosse adiada. "A construção do teatro é complexa e deve ser revista até conseguir oferecer um lugar confortável, eficaz e seguro para o público", explicou Niemeyer. O arquiteto achou que um defletor acústico planejado por ele para para ocupar toda a extensão do palco não obteve o efeito que ele previa. Para a conclusão da obra, ele iria projetar outra vez o item, que tem função estética, acústica e de iluminação. Problemas de saúde do arquiteto, que sofreu um tombo e chegou a ficar hospitalizado, não permitiram que ele entregasse o projeto com as alterações com rapidez.

Seis meses depois, finalmente a prefeitura marcou a data para a abertura do espaço para a quinta-feira, 5 de abril de de 2007. A comemoração teria como atração principal o projeto "Aprendiz", integrado por crianças e adolescentes da rede municipal de ensino.

Mas aí é outra história.

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Por Alexandre Porto

Esse texto é resultado de uma pesquisa realizada nos arquivos do Jornal O Fluminense/Biblioteca Nacional. As aspas e imagens em PB - e isso justifica a qualidade - também são desse acervo.



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Publicado em 05/04/2021