Tocava e cantava Beatles como nunca se tinha ouvido antes, sentado na varanda em sua casa no bairro niteroiense do Ingá, em meados dos anos 60, e cercado pela moçada que se atrevia a terçar vozes em um coro tímido. Assim era Dalto, um músico versátil, que passara a adolescência ouvindo Rolling Stones e tocando em várias bandas de rock, até se tornar um dos grandes representantes da MPB da década de 70, conquistando autonomia como compositor e intérprete.

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Capaz de compor baladas e de se arriscar no choro tanto quanto passeia pelo rock e o blues, Dalto começou sua carreira dando aulas de violão, em sua casa, para uma legião de fãs, que, em vez de aula, muitas vezes preferiam ficar escutando o mestre, numa espécie de showzinho particular. Nascido em 22 de junho de 1949, na Tijuca, no Rio de Janeiro, Dalto Roberto Medeiros mudou-se com a família para Niterói aos seis anos, onde mergulhou no cenário musical e contribuiu para a construção de mais um dos grandes celeiros da música popular.

Seu pai, o poeta Dalto Medeiros, compunha ao lado do grande contrabaixista e violonista Silveira, formando uma dupla da maior qualidade, respeitada na cidade, com músicas gravadas pela nata da bossa nova, como Tamba trio e Sérgio Mendes.

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Dalto foi criado assim, no meio da música. Ouvindo sua mãe tocar no piano temas clássicos de Debussy e Chopin. Vendo o pai compor bossas. E assimilando tudo que tocava na rádio Nacional, Tamoio, JB, Mundial, Eldorado. Além de Beatles, os mestres Altemar Dutra, Juca Chaves, Ray Conniff, Os Cariocas, Elizeth, Elza Soares, Elis Regina, Simonal, Henry Mancini, Roberto Carlos, Ângela Maria, Cauby Peixoto, Ed Lincoln, Bee Gees, João Gilberto, Elvis Presley foram suas grandes influências.

A partir dessas referências, que delinearam seu estilo como cantor, compositor e arranjador, o artista teve a voz reconhecida primeiramente em conjunto, a partir de 1968, como vocalista da banda niteroiense de rock Os Lobos, formada ainda por Cássio Tucunduva, Antônio Quintella, Luizinho Batera, Roberto Gomes, Fábio Motta e Fred Vasconcellos. "Santa Teresa", "Avenida Central" e "Carro Branco" são algumas das canções de sucesso do conjunto.

Os Lobos, no Festival da Canção da Globo, Maracanazinho. Clique para ampliar.


"Fanny", um charleston que Dalto fez em parceria com Claudio Rabello, conquistou as rádios. Com esse álbum, a banda chegou ao primeiro lugar no "hit parade", em 1968, o que abriu as portas para o sucesso do grupo nos anos 70. Com Os Lobos, Dalto também gravou "Miragem", em 1971, e participou do Festival da Canção de 1971.

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Após esse breve início de carreira, o músico decidiu retornar à faculdade, estudando Medicina na Universidade Federal Fluminense. Apenas em 1974, conciliando as aulas de violão para se sustentar, e ainda na graduação, é que o artista deu um breve passo para uma carreira solo, gravando um compacto simples, "Flash Back", pela EMI - Odeon, ao lado de Ralph Guedes e Claudio Rabello. Mesmo depois de "Flash Back" vender 50 mil cópias, Dalto não abriu mão do seu propósito de concluir a faculdade e, ao ver que o compromisso com o sucesso da carreira de cantor inviabilizava esse sonho, novamente se afastou e ficou no seu cantinho em Niterói, compondo, estudando e dando aulas de violão até se formar.

O artista voltou a trabalhar profissionalmente com música apenas nos anos 80, mais precisamente em 1981, quando obteve seu primeiro êxito como compositor com a canção "Bem-te-vi", gravada e interpretada por Renato Terra, que vendeu mais de 250 mil cópias. Também em 1981, Dalto compôs "Leão ferido" e "Vinho Antigo", interpretadas pelo cantor Byafra, que tomaram conta das rádios, fazendo com que, imediatamente, gravadoras começassem a se interessar e procurar por seu repertório.

Foi assim, apresentando canções, como sempre na EMI - Odeon, que foi encaminhado para Renato Corrêa, diretor artístico da gravadora na época, deslumbrado com suas performances. Via Radio Cidade, absoluta naquela época, em 1981, foi lançado "Relax".

Já em 82, ao mostrar as novas composições para outro compacto simples, a gravadora decidiu que tinha material para um LP, coisa muito difícil de ser feita por um artista novo naquele tempo. Foi então que surgiu "Muito Estranho", nome do disco e da canção histórica, feita por Dalto e seu parceiro de sempre, Claudio Rabello. Um ano inteiro no "hit parade", vários discos de ouro, platina, e mais de um milhão de cópias vendidas num tempo em que só Roberto Carlos alcançava esses números.

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Segundo o historiador e jornalista Zuza Homem de Mello, "Muito Estranho" foi a música brasileira que ficou mais tempo em primeiro lugar nas paradas de sucesso. Mas a concepção do álbum veio de uma longa gestação. Em 1974, com o estouro de "Flash Back", Dalto pensou em fazer um LP, mas a chance que deu à medicina, deixando profissionalmente a música, colocou um hiato em sua carreira, caracterizado por anos de conciliação entre os centros cirúrgicos e o violão na casa de amigos. Sua volta às paradas musicais é que abriram espaço para Dalto colocar em disco aquilo que digeriu em todo esse tempo.

"Muito Estranho" tem 11 faixas, que retratam 11 momentos diferentes. Das baladas ao rock pesado, o LP tem total desvinculação entre uma música e outra, conseguindo extrair signos representativos dos anos em que sua composição foi efervescente, ainda que como um hobbie.

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"Eu não sinto ‘Muito Estranho’ como um primeiro LP. Ele é o resultado de milhares de momentos, condensados em músicas", declarou o artista, que compôs quase mil canções entre 1971 e 1981.

Em seu segundo LP, "Pessoa", de 1983, a música que deu nome ao disco foi uma das primeiras a ter um arranjo direcionado para e com execução totalmente eletrônica. Já "Espelhos D’Água" e "Anjo" asseguraram sua posição na música brasileira tanto como compositor quanto como cantor.

Daí, vieram em sequência "Onde é que a gente vai?", "Quase não dá para ser feliz", "Jezebel" e mais de uma dezena de outras, que fizeram parte de trilhas sonoras de novelas e viraram sucessos nas rádios brasileiras. Canções que foram gravadas ou regravadas por artistas como Ângela Maria, Altemar Dutra, MPB4, Roupa Nova, Marco Sabino, Ray Conniff, Zizi Possi, Wando, Benito de Paula, Golden Boys, Patrícia Marx, e muitos outros.

Após alguns anos longe da mídia, em 1994, Dalto gravou o álbum acústico "Guru", com uma releitura de seus sucessos e algumas inéditas, como a que dá nome ao disco, cujo maior destaque foi a música "Quase dá pra ser feliz". Pela gravação de "Véu dos olhos", com participação especial de Marina, ganhou o premio Sharp daquele ano de melhor música pop.

O que se sucedeu foram novas regravações, como as de Beto Guedes, Jorge Aragão e Emilio Santiago e Preta Gil, para "Espelhos D’Água"; Simone, Roberta Miranda, KLB para "Muito Estranho"; Marina para "Pessoa"; Ira e Neguinho da Beija Flor para "Flash back"; Ray Conniff e Leandro e Leonardo para "Bem te vi", além de muitas outras.

Em 2000, o músico lançou o disco inédito "Cachorro fujão", pelo selo Casa Jorge Discos. No mesmo ano, sua música "Muito estranho" foi incluída na seleção intitulada "As 100 músicas do século XX", escolhidas pelo pesquisador R. C. Albin, entre matrizes da Odeon.

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Ainda a partir de 2000, ampliou sua parceria com o letrista Nelson Motta e continuou a se exibir em bares, teatros e casas noturnas em Niterói e no Rio de Janeiro. Em 2002, Dalto teve canções inéditas gravadas por Marina, Erasmo Carlos e Daniela Mercury. Um dos últimos trabalhos do cantor foi a canção "Faça um Pedido", que fez parte da trilha sonora da novela Viver a Vida, da Rede Globo.

Dalto também atuou como subsecretário de Planejamento Cultural da Secretaria Municipal de Cultura de Niterói, entre 2009 e 2012. Sempre compondo e fazendo shows pelo Brasil, tendo suas canções feito parte da trilha musical de dezenas de novelas, o músico continua em busca de sua melhor música.


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