A Biblioteca Universitária (1) tem um novo ex-libris. Distingue ele do anterior pela escolha de um símbolo destinado a exprimir a principal atribuição do Serviço de Difusão Cultural: duas mãos alçadas seguram os livros, simbolizando que uma dá e a outra recebe.

No vão da moldura de linhas clássicas, aparecem mais ao alto, as armas da República, as únicas reconhecidas hoje em todo o país, depois do decreto que substituiu o regime das pequenas pátrias por uma só pátria, com um só brasão e um hino só.

É preciso, aliás, acentuar que o Estado do Rio, das unidades da Federação era o único que não tinha propriamente armas, o que aparece como tal, possuía, pelo decreto que o instituiu, a denominação de selo grande e selo pequeno. De qualquer forma, incidiu na proibição instituída num dos primeiros atos do Estado Novo, em 1937.

Desenhou o primeiro ex-libris da Biblioteca, o sr. Lothar Kastrup, arquiteto e funcionário estadual. A Inscrição Biblioteca Pública do Estado do Rio, foi mais tarde mudada para Arquivo Público e Biblioteca Universitária, sendo cada um deles emitido em dois formatos, o que, para os colecionadores, perfaz um total de quatro ex-libris, hoje totalmente esgotados.

Deve-se o novo ex-libris da Biblioteca Universitária, e isso, fora de dúvida, lhe exalça o valor, a um funcionário do Estado, o sr. Hamilton Peçanha. Membro da comissão de inventário da Biblioteca Universitária, trabalho penosíssimo e de grande responsabilidade, a que deu o mais reto e cabal desempenho, na "magna pars" que lhe coube, aceitou, no decorrer das suas ocupações, o convite que lhe fez o diretor do Serviço de Difusão Cultural, naquele sentido. Feliz na concepção artística da execução, a vinheta desenhada pelo sr. Hamilton Peçanha a todos agradou, técnicos e leigos. Impresso num lindo azul claro, que realça a elegância de detalhes, é inegavelmente, o novo ex-libris da BU, obra de artista.

Vem a talho, além do registro que acima fica feito, fixar aqui algumas noções sobre o ex-libris. Acentue-se desde logo que o ex-libris é qualquer marca possessória de um livro (Anais das Bibliotecas e Arquivos). Marca do dono, e não do autor, como disse muito bem Eduardo Frieiro, em "Os livros nossos amigos", cuja leitura se deve recomendar, tanto mais quanto são raríssimos os estudos deste gênero, entre nós.

Elói Pontes, que dedicou uma nota elogiosa a esse excelente livrinho, insurge-se contra aquela opinião - bibliograficamente falando - de ser um contrassenso o ex-libris gravado, como é costume ver-se em publicações recentes, à maneira de justificação da tiragem. Eduardo Frieiro está sem dúvida com a boa doutrina.

Basta para comprová-lo, recorrer às definições, com que a "Revista Genealógica Brasileira" epigrafou a interessante seção que houve por bem consagrar no ex-libris.

Do grande bibliófilo português Aníbal Fernandes Tomás: Distintivos ou sinais de posse, gravados em impressos, e colados pelos bibliófilos ou corporação, nos seus livros. De Edouard Rouveyre, outro grande bibliófilo mestre no assunto: Etiqueta, ordinariamente gravada ou impressa, de dimensões variáveis, que geralmente se cola na primeira página interior da encadernação.




É preciso notar, contudo, que as primeiras "marcas de posse" conhecidas não foram etiquetas. Os livros do célebre Jordão Grolier, três mil volumes que são três mil maravilhas de bom gosto e acabamento, traziam gravadas no rosto da encadernação, a inscrição seguinte: Jo Grolierii et amicorum (De João Grolier e seus amigos). Os verdadeiros criadores do ex-libris foram os alemães, como Alberto Durer e outros, e é da mesma procedência um dos mais lindos ex-libris que se conhecem; representa um grupo de crianças que brincam junto a uma videira, carregada de cachos de uvas. Diz a legenda: Inter folia fructus. As folhas, entende-se sem maior dificuldade, são as folhas, as páginas dos livros.

Não teríamos espaço para rememorar aqui, ainda que sumariamente, a história do ex-libris, e as suas mais afamadas realizações. Lembraremos tão somente o ex-libris, de Vitor Hugo, de impressionante execução: A catedral de Notre Dame, cortada por um raio, onde se lê o nome do vate excelso. Outro ex-libris, que considerado por muitos conhecedores a obra prima do gênero, deve se a Bracquemond, que o gravou para os irmãos Goncourt. São dois dedos da mesma mão apontando para as letras E e J (Edmundo e Julio). Iniciais da dupla famosa que ilustrou o romance francês do século XIX. Dois corpos e uma alma só.

No Brasil, o ex-libris adquiriu ultimamente uma voga extraordinária. A “Revista Genealógica Brasileira”, de São Paulo, como acima dissemos, chegou a criar uma seção especial destinada à divulgação do ex-libris, ao seu intercâmbio e trocas. Hoje, é quase uma epidemia. Os colecionadores são legião. Isso, entretanto, é coisa recente. Em 1921, a "Ilustração Brasileira" lançou um concurso de ex-libris. A esse propósito, recordava duas iniciativas anteriores, uma de Nogueira da Silva, na "Gazeta de Notícias" em que foi premiado o pintor Germano Neves. A segunda, da Sociedade Nacional de Belas Artes, não deu o resultado esperado. O barão Homem de Mello, recordava ainda a "Ilustração Brasileira", nas suas aulas de História das Belas Artes lamentava que o ex-libris entre nós, não tivesse o apreço merecido. No número de 15 de Junho, reproduziu as condições do concurso. E nada mais. O concurso deve ter falhado.

Tudo isso mudou. Hoje, se pecamos, não é por falta, mas por excesso. Surgiram as mais extravagantes concepções: o ex-libris, em certos casos, não é mais uma vinheta, é um resumo biográfico, ou uma exibição, quase sempre suspeita, de ridículas pretensões genealógicas. Conta Terra de Sena, numa saborosa crônica, que um chapeleiro, obedecendo à moda que se iniciava, mandou fazer o seu ex-libris. Mas como não tinha livros, e ao que parece, nem mesmo sabia ler, pregava-os no fundo dos chapéus que vendia.

O artista que mais fez pelo ex-libris, no Brasil, foi sem a menor dúvida, Corrêa Dias. Quem não conhece os seus ex-libris de Olegario Mariano (uma lira e uma cigarra), de Álvaro Moreira (com a legenda - 'Ad me ipsum'), de Lima Barreto, com a divisa redentora: Amplius? É também conhecido o ex-libris de Elísio de Carvalho, uma bela aguaforte de Carlos Osvaldo. Citá-los todos é impossível. Teríamos de falar no de Rio Branco, que o seu neto Miguel do Rio Branco aproveitou para uma vinheta de refinado gosto, com a pedra da Itapuca, ao centro, no de Nabuco, no de Eduardo Prado...

Já existem coleções especializadas. O professor Floriano Bicudo Teixeira, da Biblioteca Nacional, lídima expressão da bibliofilia nacional, organizou uma coleção de ex-libris, que tem como motivo a caveira, e outros símbolos da inelutável sentença: Memento homo... Em 1942, lembremos também, organizou-se no Rio, uma exposição de ex-libris (a primeira que obteve fragoroso sucesso.

O ex-libris, como se vê, está vitorioso. E é justiça que se diga, podem figurar sem desdouro, nas coleções que vão brotando por aí, os dois ex-libris da Biblioteca Universitária, o antigo, de Lothar Kastrup, e o atual de Hamilton Peçanha.

Nota: Quando criada em 1933, a Biblioteca Parque de Niterói foi batizada como Biblioteca Universitária e Arquivo Público Estadual.


Fonte: "Biblioteca Universitária em 1943", editado pela Divisão de Difusão Cultural, autarquia vinculada à então secretaria de Educação e Saúde do Estado do Rio

Pesquisa e edição: Alexandre Porto


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Publicado em 09/09/2024

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